segunda-feira, 25 de agosto de 2008


Querida Amelia,


Como eu odeio estas viagens, elas são um verdadeiro calvário. Eu estou mais uma vez na cinzenta Londres, para mais um extenuante tratamento médico. Mais um caro, inútil e doloroso tratamento. Não sei o porquê de meu pai me obrigar a passar tudo isto novamente. Além de ter de passear, na minha marcha militar habitual, próximo ao nojento rio Tâmisa sempre que tenho que ir ao consultório do Dr. Smith. A quantidade de fumaça das fábricas e cheiro do rio me causam náuseas. Não entendo, sinceramente não entendo, eu não preciso disto para passar o dia dentro de um escritório cuidando das contas da família. E se não fosse com este intuito, para que ele pagou tão caro pelos meus estudos? Com certeza não foi para colher folhas de chá. Muitas vezes eu pergunto por que Deus foi fazer isso comigo, qual o grande plano Dele para a minha miserável existência. Estes dias eu tenho pensado que talvez devesse ter estudado medicina para poder ter alguma utilidade para mamãe. Estou cansando de ser um peso para todos ao meu redor. E não sei como você consegue ser tão indiferente a isto.

Mas vamos falar de coisas menos desagradáveis. Estou começando a sentir falta do cheiro das folhas de chá e do ar puro. A falta de sua companhia também tem contribuído para deixar-me ainda mais deprimido. Quero voltar, o mais cedo possível, a passar as tardes conversando em seu belo jardim. As lembranças de nossas tardes tem me sido um bálsamo estes dias. Você já terminou aquele último livro que eu emprestei-lhe?

Sim, eu já ia me esquecendo. Você tem falado com Elise? Ela passou as últimas semanas importunando-me bastante. Eu quero muito bem a ela e acredito ter me excedido ao descarregar meus problemas. Mas minha prima pode esperar, quando eu retornar hei de resolver tudo.


Saudades,


Simon.


terça-feira, 19 de agosto de 2008


Amigo David,


Sei que não gostas de receber más notícias por cartas, mas não posso pegar o trem durante esta época. Fiquei de te enviar meus últimos poemas para a edição do livro, mas ontem à noite minha casa foi invadida. Eu estava na casa de Sofia, portanto não presenciei o vandalismo, mas quando voltei para o meu descanso meu escritório estava todo revirado.

Muitos papéis estavam jogados pelo chão, os armários revirados, as estantes bagunçadas, mas o maior desespero foi quando vi as gavetas forçadamente abertas. Estavam vazias. Perdi os artigos que me enviaras, os documentos e meus poemas, que guardava com tanto carinho, esperando a oportunidade de te mandar.

Não sei o que fazer, a polícia se recusa a me ajudar, pois não me foi roubado nada de valor, “apenas papéis” dizem eles. Como se as palavras não tivessem valor! Não preciso te explicar isso, pois tu, acima de tudo, sabes a preciosidade que me foi tirada.

Lamento não ter conseguido proteger papéis tão importantes para nós. Estou te escrevendo sem ter tido um minuto de descanso desde o incidente. Não acho necessário entrar em detalhes sobre suspeitos, pois assim como eu, já deves saber quem ordenou tal crime. O problema é encontrar quem de fato entrou em minha casa. Mas conferi os itinerários na estação de trem e nenhum deles parte durante a noite para esses lados. Ainda tenho chances de pegá-lo.

Desculpa-me por tantas preocupações, meu amigo. Deseja-me sorte para que tudo acabe bem.

De seu leal parceiro,

Daniel


Querida Elise,


Estou confusa. Na verdade, estou bastante chocada e não sei ao certo como estou conseguindo escrever estas linhas, de tanto que tremem as minhas mãos. Esta manhã, depois da missa, fui olhar minha correspondência e o que encontrei me deixou sem palavras. Esperava ansiosa por mais alguma notícia de William, sobre seu retorno, mas acabei por descobrir um pequeno envelope com uma mensagem bem incomum, que transcrevi abaixo, para você ler.

Nunca antes havia recebido um poema de amor e não sei bem como reagir diante deste. Estou encantada e curiosa e, ao mesmo tempo, apavorada. Você sabe que não saio muito de casa e conheço poucas pessoas. Onde posso ter visto esse poeta misterioso? Ou melhor, onde ele pode ter-me visto? Na igreja, sem dúvida... Você vive dizendo que não saio de lá. E tenho que confessar que, mesmo receosa, gostaria de ir agora ver se o encontro.

Oh, que horror! Aqui estou eu usando a sagrada igreja para fins mundanos. Sinto-me culpada, mas acho que não mais conseguirei sair de casa sem olhar à minha volta constantemente, em busca de um rosto que sequer sei a quem pertence. Estou eufórica, Elise, estou confusa. Oh, meu Deus...

Vou à igreja agora, preciso me confessar.

Um abraço, minha amiga.


Louise



Bela Louise,

Quanta coragem me falta
Num instante, minhas forças acabam
O mundo inteiro pára, perdido num olhar
O coração dispara e o corpo falha
As pernas se rendem à tamanha beleza.
Quem dera eu pudesse
Por um instante apenas
Ter voz o bastante pra dizer o óbvio
E fazê-la saber que aquele teu simples olhar
Como um raio certeiro, me conquistou
Desde então minha alma clama
E quando te vê arde em chamas
Mas não me dá forças pra me aproximar
Então, me ponho a declamar
E deixar que pelo menos escritas
Estas palavras possam te alcançar.


domingo, 17 de agosto de 2008


Querida vovó Jane,


Há algum tempo queria lhe falar, mas ando tão ocupada com os preparativos do festival que nem pude ir à sua casa para fazer-lhe uma visita. Eu sei que ando ansiosa demais com o evento, mas há de ser uma excelente ocasião para conseguir negociar o estoque de folhas de chá dessa temporada, antes do inverno. Desde que vim morar com tio Andrew, aos doze anos, nunca o vi tão otimista e até tia Prudence, mesmo fraca, está ajudando com a decoração.

O que me preocupa é meu primo Simon. De uns dias pra cá, anda mais arredio que o de costume. Não sei se tem algo a ver com a doença de sua mãe ou com outra coisa. Na verdade, acho que está apaixonado. A senhora sabe que ele tem um complexo estúpido por causa do problema na perna, que o faz mancar. Ele tornou-se uma pessoa tão amarga, vovó; está sendo difícil lidar com tamanho orgulho e o sarcasmo, que já faz parte dele. Na verdade, acho que ele sente pena de si mesmo e, por isso, pensa que não é digno da moça. É mesmo um tolo.

Não sei quem ela é, mas faço uma idéia. Nada encanta tanto meu primo quanto uma mente rápida e senso de humor refinado e, das moças que eu conheço, só a irmã de Phillip, aquele amigo dele, corresponde a essas expectativas. Ocorreu-me que Amelia, apesar de parecer superficial, é a única que consegue conversar com Simon sem entediá-lo. Talvez eu devesse ajudá-lo com isso, mas ele tem sido continuamente rude comigo, mesmo sabendo que tenho verdadeira aversão ao seu irritante e já mencionado sarcasmo. Não tenho mais paciência, vovó, então é melhor mesmo deixá-lo resolver-se sozinho.

Prometo-lhe que a visitarei logo que tiver algum tempo. Estou com saudades.


Elise


terça-feira, 12 de agosto de 2008


Caro James,


Há tempos que estou à procura de notícias suas, como você não me escreveu... Tomo a iniciativa eu mesmo. Imaginei que a adaptação à nova cidade e outras atribulações fosse tomar todo o seu tempo, de modo que não lhe restasse algum. Não posso me queixar do seu descaso com seus amigos, você sempre foi muito assistente com todos, então não me resta outra escolha a não ser pensar que você está de fato ocupado.

Recuso-me a achar que seja por orgulho, que você não me tenha perdoado por aquela estupidez. Senti-me péssimo ao saber da sua partida imediata. Foi embora sem sequer fazer as pazes comigo, e o pior, por culpa minha! Pois bem... Consegui o seu endereço com a sua mãe, que por sinal, também anda muito saudosa.

Venho, também, contar alguns fatos que estão acontecendo comigo. Ah, amigo... Você não sabe a falta que me faz! Não sabe o quanto precisei de suas palavras sensatas. Palavras de quem, apesar de muito jovem, experimentou e foi experimentado pela vida. De todos nós você sempre foi o mais vivido, pela maneira intensa como sorve a vida de um só trago. Não sei mais o que fazer.

Sei que você tanto me avisou, lembro-me das suas preocupações, mas eu estava cego. Que homem apaixonado não estaria? E eu achava que você também estava enamorado por Yasmin, que queria apenas nos separar, como ela me fez crer com seus sussurros persuasivos ao pé do ouvido.

Todos os seus temores se confirmaram... Enfim, uma outra hora conto mais detalhadamente o que ocorreu, não vamos falar de coisas ruins agora, certo? O intuito da carta é saber de notícias suas, e, certamente, pedir desculpas por tudo o que lhe disse. Sei que o pedido é intempestivo e que corro o risco de que você, num rompante de raiva, rasgue a carta e nem chegue a ler. Sei como são temperamentais os irlandeses... Em todo caso, se for assim, não tiro sua razão. Espero que aceite minhas desculpas, é de coração.

Aguardo ansiosamente por uma resposta. Receba o mais forte abraço do seu amigo,


Robert Lancaster.