segunda-feira, 15 de dezembro de 2008


Ted,


Leia com atenção, pois é a última vez que lhe escrevo, não sabe o nojo que tenho ao ter que fazê-lo. Não quero ver essa sua cara nem pintada de ouro. Prefiro mandar uma carta a ter que encontrá-lo pessoalmente.

Como você teve a ousadia de por os pés na nesta cidade de novo? Pior, ainda me resolve aparecer como se nada tivesse acontecido? Ainda não percebeu que não é bem-vindo aqui? Sorte sua que nem eu, nem o papai estávamos em casa. Nosso mordomo me contou como resolveu tudo. Ele tem ordens severas de não permitir a sua entrada. Mesmo tendo que ser rígido, mostrou ter mais bom-senso e classe que você, nos evitando mais um escândalo.

A mamãe faleceu há cerca de um ano, Se você não fosse um imbecil irresponsável e egoísta, teria ficado sabendo disso em tempo. Quando ela estava mais doente e precisava da família, você deu as costas e preferiu “conhecer o mundo, ir além de nossos horizontes”. Era o filho caçula, o queridinho dela e isso foi o golpe derradeiro.

Desde pequeno nos dá desgosto, mas a mamãe sempre punha panos quentes na situação. Você, seu mundinho no umbigo e seus sonhos estúpidos. Eu me esforçava tanto, estudei com afinco e, nas férias, ajudava o papai enquanto você brincava com aquele seu amigo idiota. Passavam horas dedilhando uma viola. Sempre foi um preguiçoso e nunca quis saber de estudar ou trabalhar. Papai ganhou uma úlcera de tanto se preocupar com seu futuro. Mamãe perdia noites de sono, mas nada dizia.

Recebi a carta que você escreveu há uns dias, mas tive tanto desprezo que não quis sequer responder. Era endereçada à mamãe, mas por motivos óbvios, abri e li. Agora você vem dizer que tem saudades e que está trabalhando como faxineiro? Que degradante! Joga nosso nome na lama sem nenhum pudor! Não se envergonha disso? Quando o papai souber que um Lancaster é um reles faxineirozinho, vai ter um infarto. Ainda bem que queimei as cartas antes que pudesse cair em mãos dele. Ainda teve a petulância de trazer mais outro coleguinha seu? Quem ele é? O zelador?

Nós movemos o mundo atrás de você, mamãe nos perguntava todo dia, até o seu último suspiro, enquanto você, verme, divertia-se vadiando pela Europa. Acha pouco o que fez? Não se satisfaz mesmo, não é? Papai o deserdou e desde então, é um poço de amargura. Não permitirei que você o atormente ainda mais, farei o que for necessário por um pedacinho da paz que, um dia, ele perdeu. Estou falando sério e você sabe disso, sabe do que eu sou capaz pelo papai.

Quero que você sofra miseravelmente até o fim dos seus dias, pelo que você fez a esta família. Adeus,


Robert

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008


Querida madrinha,


Ainda estou em Londres. Peter acabou tendo que ser internado num hospital próximo à estação e está em observação, acompanhado de perto por mil enfermeiras. Eu, obviamente, tive que ficar por aqui; hospedei-me num hotel horroroso ao lado do hospital e a partir de então tenho dormido pessimamente. Acredite, tive pesadelos. Creio que a senhora ficaria horrorizada, se visse a comida que servem neste lugar. Partiremos ainda hoje, sem mais tardar; o Dr. Allerton afirmou que Peter já está bem.

Infelizmente, encontramos esse médico na estação, que socorreu Peter e o trouxe para este hospital, arruinando o nosso plano de levá-lo ao lugar combinado. A substância que a senhora me deu fez o efeito esperado e teríamos conseguido mantê-lo aqui, com o pretexto de que estava muito doente para viagens longas. Com isso tudo que aconteceu, não pude fazer meu noivo desistir de ir àquele fim de mundo. Porém, eu tenho certeza de que ele não ficará naquele lugar por muito tempo; passou tantos anos longe da família que, acredito, não agüentará morar com eles outra vez, ainda mais longe da cidade. Eu não agüentaria.

Por outra infeliz coincidência, o tal Dr. Allerton descobriu-se conterrâneo de Peter. Não acreditei na minha falta de sorte. Agora, terei que tomar cuidado com o que disser, pois o doutorzinho poderá matraquear por aí uma versão diferente da minha e terminar me desmascarando. Como não sou tola, escrevi à irmã caipira do meu querido noivo e contei-lhe a minha história, antes que boatos indesejáveis lhe chegassem aos ouvidos.

Despeço-me agora, madrinha, pois nosso trem sairá em menos de duas horas. Fique sossegada; escrevo-lhe do fim do mundo, logo que puder. Com carinho,


Giovanna